fevereiro 04, 2007

8 - (IVG) Ouvir os Casais I



Em toda esta discussão, parece haver determinado foco de tensões que vai variando entre a exposição rápida e o aparente esquecimento. Trata-se do papel do homem na decisão sobre a gravidez, sobre o destino do feto.

Parece ser uma abordagem incómoda para a generalidade dos intervenientes do debate. Para o “NÃO”, não é fácil dizer-se, e acima de tudo demonstrar-se, que o homem tem uma palavra a dizer sobre o que se passa no corpo da mulher. Para o “SIM”, não é cómodo afirmar-se, para lá de qualquer dúvida, que o que se passa no corpo da mulher só a ela diz respeito… Em qualquer um dos casos…soa mal.

E soa mal porquê? Porque qualquer uma das posições pressupõe a sujeição, a submissão, a anulação de uma das partes perante a outra. Ora, a gravidez, enquanto estado provocado pelo encontro entre um homem e uma mulher, vive e concretiza-se plenamente a partir dessa vivência em comum, partilhada, e é isso que cada um de nós assume como natural e desejável, ainda que inconscientemente. Logo, a defesa de apenas uma das premissas, leva inevitavelmente a uma reacção mais ou menos efusiva da outra parte.


Simplesmente, neste momento, aguardamos um referendo que nos confrontará com o segundo caso…ou seja, com a completa anulação do homem perante o advento de uma gravidez. De acordo com a pergunta em causa, apenas se salvaguarda a vontade da mulher em todo o processo abortivo, colocando o homem à margem dessa decisão.

Teria assim maior lógica que apenas as mulheres votassem neste referendo? Há sectores feministas que o defendem! Gostaria de apresentar 2 razões para que assim não deva ser:

1º A gravidez/procriação, trata-se de um fenómeno natural indissociável da existência de dois organismos sexuados que se complementam. A sobrevivência das espécies depende dessa complementaridade. No caso da espécie humana, essa complementaridade reveste-se de uma co-responsabilização resultante de um raciocínio livre e intencional, único, que nos distingue e responsabiliza especialmente. A natureza é um dado adquirido e, portanto, nem a mulher reclamou a maternidade para si, nem o homem a rejeitou.

2º O planeamento de uma sociedade e a construção de uma civilização é da responsabilidade de todos quantos a constituem, sem descriminações biológicas, pelas quais não são responsáveis. O planeamento familiar e a organização demográfica dessa sociedade, é um trabalho conjunto entre homens e mulheres, cumprindo justamente com esse padrão natural imutável. Ora, num estágio civilizacional em que se repõe a justiça em relação ao papel da mulher nessa participação, terá lógica superiorizar o seu papel nesta matéria, concedendo-lhe plenos poderes sobre esse planeamento?
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Mas, passando então ao Casal.

No casal, homem e mulher contribuem de igual modo para a concepção. A ela, pelos desígnios naturais, cabe-lhe comportar a gestação, hospedando o novo ser até que o seu corpo esteja capaz de sobreviver ao meio externo. No entretanto, como depois do nascimento, é a dedicação e o amor que, em primeira instância, compõem desde logo o conceito de paternidade. Esta trata-se de uma vivência a três, que, quando desejada, se inicia logo na concepção.

O problema, aqui, surge de entre os casos de gravidez não planeada e não desejada. Tendo em conta que o terceiro elemento, o feto, não manifesta vontade, resta-nos compreender os limites da liberdade dos seus dois progenitores. Ora, quer a actual lei, quer a que se pretende introduzir, e até mesmo a própria lógica, não concebem que a mulher seja forçada a abortar por vontade do homem. Apesar da gravidez ser, em igual proporção, da sua responsabilidade, não lhe é permitida a ingerência no corpo da mulher. E é simples de entender porquê. Se a gravidez se iniciasse por pequenas etapas reversíveis, entre as quais se pudesse decidir da sua continuidade ou cessação, cabalmente o homem teria tanto direito como a mulher de cancelar o processo, e esta não poderia prosseguir sem o seu consentimento. Acontece que, uma vez iniciado, nada distingue uma etapa de outra e o processo é simplesmente irreversível. Assim, uma vez dado o contributo do homem (pelo acto sexual), este não terá qualquer outra forma de intervir no processo, que a Lei ou a biologia lhe permita.

Mas e a mulher? Terá ela o direito de ingerência sobre o corpo do feto? A verdade é que, estando à sua guarda, o novo ser está na sua exclusiva dependência, ele é, para os casos em que o aborto é desejado, um refém da mulher que o guarda. Ou seja, até que ponto poderá o homem intervir na vontade da mulher em abortar? Devemos compreender que, aprovada esta lei, o homem terá apenas a relevância que a mulher altruisticamente lhe atribuir. Por sua vez, o feto apenas terá a protecção que ela, mais uma vez, lhe quiser dar…

Mas e se ele desejar esse filho? E se ele se responsabilizar sozinho pela paternidade dessa criança? Terá ela o direito de o matar? Que protecção deverá a Lei garantir-lhe a ele e ao feto neste caso?!?


Algo está errado nesta ideia de justiça e de partilha de responsabilidades. Não é possível entender que uma mulher possa decidir sozinha se um homem deverá ou não ser pai. Que deixe de o ser quando ela não queira e aborte (com o beneplácito do Estado), ou que passe a ser quando ela decida que quer e engravide, obrigando-o a assumir o filho. Da mesma forma que não se entende que a Lei, por princípio, conceda à mãe a tutela dos filhos em caso de divórcio, e outras peculiaridades de uma sociedade que ainda não encontrou um meio termo entre a responsabilidade e o desejo.