dezembro 20, 2006

Testemunhos (I) - No referendo sobre o aborto vou votar NÃO



1. "No referendo sobre o aborto vou votar NÃO. Faço-o em nome de Princípios, que não dependem de modas, conjunturas, partidos, governos ou regimes. Faço-o em consciência liberto de espartilhos, de anátemas ou preconceitos de qualquer espécie. Faço – o em meu nome, a pensar no futuro e no de quantos têm direito a nascer, a viver, a triunfar, a ser felizes. Faço – o por acreditar que não há vida, sem respeito pela própria vida.

Dito isto, e sem pretender medir argumentos, julgar posições, quantificar listas de apoiantes, seja-me permitido perguntar duas simples coisas:

1ª: se o sim ganhar, os abortos serão integralmente livres ou estão dependentes da “autorização” de uma comissão médica?

2ª: quem pagará os abortos feitos, através do Serviço Nacional de Saúde?

As questões já terão por certo sido colocadas, mas as respostas, se dadas foram, não ganharam ainda foro de notoriedade. Acontece que o problema, aliás os problemas, são de uma pertinência indiscutível e por muito incómodo que seja discutir o assunto ele não pode ser ignorado. E não pode ser ignorado desde logo pelos defensores do Sim. É que ao contrário do que dizem, ou não dizem, os líderes desta corrente de opinião, o que está em causa no referendo do dia 11 de Fevereiro vai muito para lá da questão da criminalização ou não criminalização das mulheres que decidem abortar, fora do quadro já previsto na actual legislação. E se não vejamos: se uma mulher decide abortar pode fazê-lo por simples indicação sua a um médico ou a sua vontade é previamente escrutinada por esse mesmo médico? Dito doutra forma: está o aborto, mesmo que não sujeito a qualquer pena, dependente em exclusivo da decisão da mulher grávida ou essa decisão só tem efeito prático se o médico consultado der a sua concordância? Se competir ao médico “julgar” como pertinente a pretensão da mulher, então a liberdade desta está condicionada à posição daquele, e nesse caso está a campanha do Sim viciada na forma e no conteúdo, já que à custa de querer votos a qualquer preço não informa devidamente os eleitores.

O mesmo se diga quanto à ausência de cabal esclarecimento sobre o destinatário da factura do aborto, quando feito nos hospitais públicos. Diz a Constituição, artigo 64º, nº 1, que todos têm direito à protecção da saúde, referindo o nº 2, alínea a), deste mesmo artigo, que este direito à protecção da saúde é realizado através de um serviço nacional de saúde universal e geral. Ora o que quer isto dizer? Simplesmente que o Estado, em cumprimento da Constituição, criou um serviço nacional de saúde, para garantir um direito também constitucionalmente consagrado a que chamou direito à protecção da saúde. E nestes casos, em nome da solidariedade todos temos o dever de contribuir, através dos nossos impostos, para permitir a prestação de cuidados de saúde a quem não tem condições económicas para os pagar. Mas deve o mesmo passar – se no que ao aborto diz respeito? Será que o aborto decidido pelo livre arbítrio da mulher integra este direito à protecção da saúde? Mas que protecção da saúde está em causa quando uma mulher, em nome da sua “liberdade”, diz simplesmente não querer continuar com a gravidez, considerando – a indesejada? E nessas circunstâncias eu tenho o dever de pagar a sua indiscutível e inultrapassável vontade? Em nome de quê?

Pode alguém fazer o favor de me elucidar? Estarão todos os cidadãos, mesmo os defensores do sim, conscientes desta situação? Estarão todos disponíveis a pagar do seu bolso a individual vontade de abortar? Eu não estou. Desculpem dizê-lo, mas sou suficientemente egoísta para querer que os meus impostos sejam canalizados para o pagamento das consultas, dos tratamentos, das operações dos mais pobres, dos mais necessitados. Daqueles que não escolhem ter um enfarte, daqueles que não decidem ter um cancro, daqueles que não preferem ter acidentes vasculares cerebrais, daqueles que não optaram por ficar sem família e sozinhos, por falta de recursos do Estado, enfrentam a solidão e a doença. Eu não quero pagar esses abortos e espero que quando os portugueses forem votar no dia 11, sejam tão egoístas nesta matéria como eu aqui confesso sê-lo."

Desejo a todos um Feliz Natal.
Manuel Monteiro
Lisboa, 10 de Dezembro de 2006

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Caro Dr. Manuel Monteiro,
Não posso deixar de aplaudir e louvar a sua opinião, com a qual concordo em absoluto.
Também sou "egoísta" no que toca a estes assuntos... principalmente porque a minha Mãe não deciciu ter um cancro que lhe ceifou a vida há quase 5 anos...
Obrigada por colocar em palavras um pouco da minha revolta!

quinta-feira, 04 janeiro, 2007  

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